Capítulos
Quando Rafaella deu vida às primeiras coleções da Neriage, percebeu que não se via refletida nos conceitos tradicionais do mercado da moda, onde cada coleção narra uma história distinta. Para ela, suas criações são capítulos de um único livro, entrelaçando-se em uma narrativa contínua. Por isso, chamamos nossas coleções de capítulos: cada nova peça é uma extensão da anterior, uma evolução de sua essência. Explore o menu abaixo e mergulhe na nossa história, revelada através de nossos capítulos.
Autobiografia. A coleção 12.
A Coleção 12 da Neriage, que apresentamos nesta temporada, se chama "Autobiografia", inspirada no livro Autobiografia do Vermelho, de Anne Carson. A obra é baseada em uma história da mitologia que aborda os (coincidentemente) 12 trabalhos de Hércules, mas reinterpretada com o olhar filosófico e romântico de Carson — como uma narrativa sobre amor e busca por identidade.
Um dos trabalhos de Hércules era matar Gerião, o monstro vermelho de asas vermelhas. No entanto, no livro de Carson, esse encontro se transforma em símbolo de uma busca apaixonada pela identidade e pelo amor. Através da cor vermelha, Carson entrelaça a intensidade das emoções humanas com a fragilidade da existência. Gerião e Hércules se apaixonam, apesar da necessidade de um final trágico. Mas isso não impede que a história seja vivida, sentida e representada no auge das emoções — em vermelho.
A obra se torna um cântico à arte como meio de compreensão do eu, onde dor e beleza dançam juntas. A narrativa reflete a eterna tensão entre desejo e perda.
Embora a coleção não seja uma reprodução literal do livro, ela captura a essência dos sentimentos e da forma como a história do vermelho é contada. A cor é usada como sentimento e narrativa — algo que gosto muito de explorar nas minhas coleções, onde ela sempre expressa algo além e conta histórias. As composições cromáticas, as transições de nuances e as texturas são pensadas para narrar algo.
Acredito que cada desfile da Neriage e cada coleção que criamos têm essa narrativa monocromática e essa continuidade de cores. Tudo tem significado: da edição à entrada dos modelos; cada detalhe importa. Gosto de deixar interpretações em aberto, pois um bom desfile provoca reflexões — como uma exposição de arte.
"Autobiografia" também representa um pouco da minha vida, dos remendos e experiências que todos vivemos. Nascemos, crescemos, nos machucamos, nos curamos. Assim como um objeto, uma peça de roupa tem sua própria biografia: como foi criada, o cuidado que recebeu, o brilho que emana quando é usada pela primeira vez — algo muito mais significativo do que nas vezes seguintes. Com o tempo, a roupa se desgasta, assim como nós, tornando-se um rasgo ou algo que talvez já não devesse estar ali. Mas com uma história única, que não pode ser reproduzida em massa — assim como a vida de uma pessoa.
A biografia de um ser humano se assemelha à de um objeto. Inspiramo-nos nas ideias de Schopenhauer, filósofo que deu berço à visão imaginativa da modelagem da Neriage em relação à matéria — questionando os limites entre ciência e arte. Quando a ciência já não consegue explicar algo, a arte entra em cena.
Por isso, sempre buscamos relacionar nossos desfiles com o trabalho de um artista. Nesta coleção, escolhemos Regina Parra, cuja força e complexidade biográfica a transformaram em uma artista admirável.
Espero que minha própria biografia também siga esse caminho — culminando no vermelho, símbolo do auge das emoções e das conquistas. Assim como em Autobiografia do Vermelho, há um mundo onde a potência dos sentimentos e das histórias vividas se entrelaçam com intensidade.
Tratamos aqui de questões como a roupa que, à primeira vista, pode parecer acabada — mas que também pode ser desconstruída. A ordem não importa. Início e fim se misturam.
Hoje, roupas rasgadas e baratas são valorizadas e consumidas em excesso para durarem pouco, enquanto peças bem feitas — dependendo de sua origem ou etiqueta — são ignoradas ou elevadas à categoria de obra de arte.
Isso nos leva a refletir sobre o tempo de vida de uma roupa, o tempo de vida de uma pessoa e o valor que atribuímos tanto a nós mesmos quanto aos objetos que usamos.
O que nos faz tão diferentes da matéria que vestimos? Ou da forma como a construímos?
— Rafaella Caniello, diretora criativa da Neriage, sem medo da própria autobiografia e dos seus remendos.